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sábado, fevereiro 02, 2008

O COMENTÁRIO QUE JOAQUIM FERREIRA DOS SANTOS NÃO PUBLICOU - OU: "O JORNALISTA É ALGUÉM QUE SAI DA FACULDADE SEM SABER FALAR SOBRE NADA, MAS QUE TRABALHARÁ FALANDO SOBRE TUDO"

Em meio à atual crise na polícia fluminense, o que segue seria inequivocamente uma bobagem, uma perfumaria, quase um luxo. Em momento no qual tanto se joga e se decide, cada caracter digitado aqui ou em qualquer outro blog, site ou editor de texto deveria ser precedido de uma reflexão fundamental: o tópico que proponho é mais urgente que a discussão já existente? Toda frivolidade, toda picuinha, toda crônica de costumes deveria ficar em suspenso, esperando o desenlace da coisa - ao menos no Rio de Janeiro, para não dar também ao caso proporções de recessão americana. Mas o fato objetivo é que não fica; apesar de tudo - e a referida crise é apenas a parte mais evidente e atualmente mais midiática desse todo -, a sociedade insiste em manter o passo, insiste na crença de que tudo segue, insiste na crença de que, afinal, é Carnaval. O lado negativo dessa alienação é óbvio e transparece com maior clareza a cada eleição, a cada estatística referente a nossos indicadores sociais - embora possa também ser percebido sem dificuldades no dia a dia, nas relações pessoais mais distantes da frieza dos números. Mas há também um lado positivo na coisa: essa inércia impede ao mesmo tempo a revolução e a anomia, a mudança e a desistência. Fosse talvez mais consciente em relação aos grandes temas nacionais, nossa população poderia tanto irromper em uma fúria súbita - e provavelmente sanguinária - quanto se entregar absolutamente, abandonar a vida cotidiana que é, afinal, a vida. Para o mal e para o bem, seguimos: seguimos com Big Brother, com a domingueira televisiva, com o futebol - e estamos tão errados quanto certos nisso. O fato objetivo, porém, é que seguimos. E é por isso que também seguimos - eu inclusive - com Joaquim Ferreira dos Santos, o cronista da frivolidade em O GLOBO.
Joaquim Ferreira dos Santos, para quem não conhece, é o responsável último pela coluna "Gente Boa", publicada de domingo a domingo no Segundo Caderno - além de autor de uma outra coluna na última página desse suplemento, acredito eu que às quartas-feiras, talvez às quintas. Escritor razoável - o que se depreende mais dessa coluna semanal do que da coluna diária -, Joaquim se dedica fundamentalmente a dois temas: a crônica de um Rio que passou - exercitada fundamentalmente na coluna semanal - e a leve ironia em relação ao mundo das celebridades instantâneas, tema que tem no próprio O GLOBO outro e mais explícito representante, o colunista Artur Xexéo. Nesse último exercício, Joaquim parece querer conferir uma gravidade à futilidade, tentativa sempre complicada. Ele, assim como Xexéo, parece querer denunciar exatamente "o ponto a que chegamos", quando a fama decorrente de algum feito distintivo se torna a fama pela fama, o sujeito é famoso meramente por ser, por ter aparecido nesse ou naquele programa de tv, fundamentalmente, na maioria das vezes fazendo algo bizarro ou absolutamente sem sentido - como é o caso dos intermináveis dias de conversa estúpida no Big Brother, talvez o título de atração televisiva na história que mais vilipendia a sua referência original, em última instância o excelente 1984 de George Orwell. Nessa função, Joaquim é também bastante razoável - até por não ser trabalho que exige muito, tantas são as notícias bizarras a comentar e tantos parecem ser (aqui segundo Xexéo) os assessores de celebridades dispostos a divulgá-las. O problema é quando Joaquim pretende alcançar uma altura minimamente mais séria, quando pretende sugerir em notinha algo um pouco mais discutível.
Foi o que Joaquim tento fazer nessa quinta-feira que passou, na notinha que segue na íntegra:

"A GEOGRAFIA PIROU
O filme 'Ainda não sei o que você fez no verão passado" passava no Universal Channel, 0 43 da Net, quando uma personagem da trama recebe telefonema de uma rádio com a pergunta 'Qual é a capital do Brasil'. A moça pega um saco de café, lê o invólucro e responde vibrando que 'Rio é a capital do Brasil'. Vibrando mais ainda, o locutor diz que ela acertou e acabou de ganhar uma passagem para as Bahamas. Esses americanos não decepcionam quando a matéria é geografia"

Diante do absurdo, escrevi o seguinte e cordial e-mail, também reproduzido na íntegra aqui:

"Joaquim,
Você errou feio em nota desta quinta-feira. O filme do Universal Channel ao qual se refere é "Eu ainda sei o que vocês fizeram no verão passado", seqüência de "Eu sei o que vocês fizeram no versão passado" - e não "Ainda não sei o que vocês fizeram no verão passado", como você escreveu.

Além desse erro menor, a nota toda se baseia em um equívoco: tivesse visto mais um pouco do filme - realmente um sacrifício, o filme é ruim mesmo para um fã de terror como eu - perceberia que o dito telefonema da rádio foi um trote montado pelo psicopata do filme para atrair a personagem principal a uma ilha, na qual ele pretendia matá-la. O trote é descoberto pela personagem exatamente quando - já fugindo do psicopata - ela acha um globo terrestre no saguão do hotel da ilha em que se hospeda e confere que a capital do Brasil é... Brasília. Ou seja, o psicopata aceitou "Rio de Janeiro" apenas porque queria vê-la na ilha de qualquer jeito.
Um abraço,
Felipe Svaluto Paúl"

Enviada para o e-mail citado no rodapé da coluna, essa mensagem deve ter chegado ao seu destinatário. Apesar disso, não houve qualquer comentário a respeito nas colunas de ontem e de hoje.
Retomando o início desse texto, o leitor pode estar se perguntando: "Felipe, o que há de relevante nisso? Não seria melhor escrever sobre a crise na PMERJ?" Respondo ao caro leitor: seria e é mais relevante, e é exatamente isso que estou fazendo, estou escrevendo sobre a crise na PMERJ, ou ao menos sobre aspecto que já é fundamental em todo o processo - a leviandade com a qual nossos profissionais de jornalismo escrevem coisas. O exemplo do Joaquim, que trata de tema tão diferente, é significativo: como digo em meu e-mail, bastaria ter assistido mais um tanto do filme - ok, mais da metade dele - para que o jornalista recebesse a confirmação daquilo que qualquer espectador médio brasileiro imaginou quando da ligação para a personagem, que a coisa toda se tratava de um trote. Joaquim - ou alguém da sua equipe - não apenas foi enganado pelo truque bobo do horrendo filme, mas o usou em notinha tentando ajudar a confirmar aquilo que é crença absoluta em quinze entre dez representantes da sua espécie, o esquerdista-caviar zonasulense: que os americanos são uns caipiras ignorantes que desconhecem absolutamente o mundo para além do Rio Grande, sua História e Geografia. Nunca se soube ao certo a que eles opõem essa ignorância especial, já que qualquer visita à Europa - para além dos redutos intelectuais e descolados que eles talvez freqüentem - mostrará exatamente a mesma coisa, ou seja, padeiros franceses considerarão em massa que a capital do Brasil é o Rio, e não Brasília; eu mesmo tive experiência com isso, entre meus parentes italianos, em sua maioria pessoas bem mais velhas e com pouco estudo, todos obviamente se surpreenderam diante desse dado que para nós é tão evidente. Mas a soma de caipirice carioca - uma caipirice que realmente afeta cosmopolitismo; viva Evaldo! - com nosso antiamericanismo fundamental resultou em uma crônica estabanada e, acima de tudo, leviana.
Mas que tem isso a ver com a crise da PMERJ, afinal? Tudo, caros. A crise da PMERJ vem repercutindo em uma imprensa acostumada exatamente a essa leviandade, ao "passar de olhos" - do Joaquim no Universal Channel - ou do "ouvir dizer" - de um colaborador do Joaquim, que passou a informação ao jornalista supostamente responsável, que não a conferiu. A leviandade com a qual a nossa mídia trata de assuntos sérios - sim, pois o filme é tosco, mas discutir os conhecimentos educacionais dos americanos é coisa séria, parte fundamental do nosso antiamericanismo - é bizarra, reflexo ainda da falta de profissionalismo e de uma mídia excessivamente galhofeira, de botequim, alimentada no Rio pela velha tradição da esquerda-etílica, prima bebum da esquerda-caviar. Enquanto é para ironizar celebridades, isso serve muito bem; mas quando é para informar qualquer coisa minimamente relevante, tenha sempre os pés atrás - não para se proteger dos "jornalões de direita", como acusam os conspiracionistas da esquerda, mas sim para se proteger da velha e fundamental incompetência.
E lembre sempre do adágio universitário que colabora com o título desse texto: o jornalista é, fundamentalmente, um ser que não é especialista em nada - mas que tem o reconhecimento social que lhe permite falar sobre tudo. E da forma mais porca possível.
Felipe Svaluto Paúl(Isquindô!)

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