terça-feira, janeiro 08, 2008
O OICULT e a Contracultura na UFF - uma tragédia em cinco atos
No dia 19 de dezembro de 2007, foi lançada na Universidade Federal Fluminense a revista virtual Contracultura, um projeto do Laboratório (reconhecido como tal pelo CNPq) OICULT, abreviação para Observatório da Indústria Cultural. Esse Laboratório tem sua criação devida à professora Adriana Facina, integrante do corpo docente do departamento de História da UFF.
Outro integrante do corpo editorial da Contracultura é Mardonio Barros - segundo o orkut*, namorado (ou esposo, a depender da interpretação) da professora Facina. Mardonio e Facina são co-autores de um dos textos publicados no primeiro número da revista, a peça "Tropa de Elite ou Matou na Favela e foi ao cinema". A professora Facina parece ter achado essa publicação relevante o suficiente para incluí-la em seu Currículo Lattes. Há professores vários - com produção intelectual mais volumosa ou menos interesse em engordar currículos - que deixam passar esse tipo de coisa; mas podemos entender que há quem realmente precise incluir em seu Currículo Lattes um texto escrito com o namorado para uma revista virtual que tem como editores exatamente a própria autora do texto e esse namorado. Talvez esteja apenas me faltando romantismo e a coisa seja nada mais que o fruto do inocente desejo de mostrar para toda a Academia a força da paixão que une os colaboradores intelectuais. Talvez.
O primeiro número da revista Contracultura traz ainda o texto "Sandwich ou sanduíche? Eis a questão", publicado na seção Sabores Populares. O texto é de autoria de Giulia Facina, também conhecida como a filha adolescente da professora Adriana. Giulia Facina tem 13 anos e não, ainda não faz parte do Corpo Editorial da Contracultura. Como também não chegou ainda à Academia, não pode incluir esse texto aprovado pela própria mãe em seu Currículo Lattes. Pena.
A revista Contracultura é hospedada no site da Universidade Federal Fluminense. Desejoso de saber o quanto de dinheiro público há na ação em família, pedi a um amigo que simulasse ser um interessado na publicação e enviasse e-mail à revista. A resposta - também em co-autoria: nos chegou assinada por Facina mãe e Mardonio - é a que segue:
Olá Fabiano,
Que bom que você apreciou a revista. Por enquanto, ainda não temos o objetivo de publicá-la em papel, pois não temos nenhum financiamento. Ela é toda feita na base da militância mesmo. O ISSN está em processo e devemos obtê-lo em breve. Se você se interessar, podemos mantê-lo informado sobre as atividades do Observatório da Indústria Cultural ( http://oicult.blogspot.com/), que é o espaço que articula a revista, entre outras iniciativas.
Um abraço,
Adriana Facina e Mardonio Barros
O caráter transitório dessa desagradável situação é evidenciado e reiterado na prosa algo tortuosa e redundante: "Por enquanto, ainda não temos o objetivo de publicá-la em papel, pois não temos nenhum financiamento". "Por enquanto, ainda": a possibilidade de fazer a revista circular em papel não é negada, pelo contrário - é condicionada à obtenção de algum financiamento.
Ficam as perguntas: caso venha a ser publicada em papel e com financiamento público, o contribuinte passará a pagar pelas receitas da teenager Giulia Facina? A revista continuará publicando - agora com o dinheiro do contribuinte - textos de dois dos seus editores? O pagador de impostos brasileiro passará a financiar o nepotismo contracultural? Ou a revista será subitamente acometida pela seriedade que falta à sua versão virtual?
Só podemos fazer suposições sobre essas questões. Mas podemos recolher mais alguns indícios que ajudem a orientar as nossas especulações.
* - No intervalo entre a escrita e a publicação desse texto, a professora Facina restringiu aos amigos o acesso a suas fotos no orkut. Apesar disso, o "married" continua exposto no perfil - e Mardonio continua listado como uma das paixões da profesora, acompanhado apenas por Giulia Facina.
***
Como dito acima, a revista Contracultura é um projeto do Observatório da Indústria Cultural, Laboratório de pesquisa reconhecido pelo CNPq. O popular OICULT tem um blog. Sem querer analisar aqui a qualidade dos artigos nele publicados, acho interessante destacarmos um dos posts mais recentes do site: o texto "Resistência Civil: a instrumentalização clandestina para não ficar tão fora do mundo". O texto é pouco mais do que uma apologia explícita do roubo de energia elétrica (o popular "gato") e do usufruto ilegal e clandestino de tv a cabo - como diz o próprio autor, "o famoso gato-net". Vejam vocês mesmos. Reproduzo abaixo apenas dois trechos:
"Mas nem tudo está perdido. Existem meios de se conseguir certos serviços que nos são negados pela falta de capital. Em épocas de Tropa de Elite, podemos observar um tipo de acesso àquilo que sendo a princípio para poucos se torna de todos, socializado: a PIRATARIA. Tem que ser na base do extra-oficial, não dá pra se prejudicar pela falta de condições. Isso é INJUSTIÇA. Da mesma forma que é muito fácil usufruir dos mesmos privilégios de quem pode ter uma televisão de qualidade. É só fazer um gato, o famoso gato-net."
"Assim, tenho uma opinião bem definida: viva o gato e a pirataria, como forma de protesto, adequação e libertação! Para quem não tem dinheiro é isso, ou se contente em permanecer fora do mundo."
Não existe outra expressão para isso que não "apologia ao crime". O texto não é sequer uma discussão teórica sobre meios de comunicação, concessão de canais abertos ou direitos de propriedade intelectual. É um elogio explícito de práticas criminosas estabelecidas. Pois é isso: o OICULT - digo novamente: um Laboratório acadêmico de pesquisas, reconhecido pelo CNPq - abriga em seu blog um texto que faz descarada apologia ao crime.
***
Mas se há algo que não podemos dizer é que esse texto destoa do comportamento da idealizadora do OICULT. No começo do segundo semestre de 2007, a professora Adriana Facina exibiu em uma sala de aula da UFF uma cópia pirata do filme Tropa de Elite. Não recorreu a qualquer desculpa educacional para justificar sua ação; meramente disse que o filme foi vazado intencionalmente. Como observamos, uma suposição dessas já é suficiente para que uma professora doutora use as instalações da UFF - o dinheiro público, meus caros, o dinheiro público - para exibir um filme que sequer havia sido lançado oficialmente. Um filme pirata.
E sim, há testemunhas.
***
Sandwich, apologia ao crime, filme pirata... Como posso fechar a narrativa superficial desses gloriosos primeiros meses de OICULT, um laboratório reconhecido pelo CNPq? Com um chamado à revolução, evidentemente! O lançamento da revista Contracultura contou com a presença do rapper "Gas-pra", divulgando seu CD Temeremos mais a miséria do que a morte. Fui pesquisar sobre o rapaz e achei entrevista reveladora. Merece ser lida com calma, mas novamente facilito a vida de vocês e destaco o trecho que mais nos interessa. Seguem pergunta e resposta:
"No CD você fala em "Bonde da Revolução". Você acredita que só uma revolução resolveria os problemas do país? Essa revolução seria armada?
Gas-PA: Eu não acredito que vamos acabar com a pobreza pedindo ajuda aos ricos. Aliás, o problema do Brasil não é a pobreza. É a riqueza nas mãos de um pouquinho só de gente. E esse grupelho não vai largar o osso na base da conversa. Então, que cada rebelde se arme com, como digo na música, as armas que sabe usar."
Pois é. O grupelho, meus senhores, não vai largar o osso na base da conversa. O rapper não diz ao entrevistador que rejeita a luta armada; diz que cada rebelde deve se armar com as armas que sabe usar - talvez a música, a poesia, o hip-hop... Talvez armas de fogo, por que não? Como vimos, ele não negou isso. Afinal, alguém vai ter que tirar o osso do grupelho - e não vai ser "na base da conversa".
Foi esse um dos convidados para o lançamento da revista Contracultura. Foi esse um dos convidados do OICULT, um Laboratório de pesquisa acadêmica - e só mais uma vez, para ninguém esquecer: reconhecido pelo CNPq. Um Laboratório coordenado por uma professora doutora de uma universidade federal brasileira.
***
O último ato ainda está por vir. Dependerá das reações - das reações de vocês principalmente, das reações de todos os leitores - ao que foi divulgado aqui. Quem me lê com alguma freqüência percebeu que fugi o mais que pude do meu estilo habitual - e isso não foi por acaso. A intenção aqui foi apenas contextualizar uma ou outra coisa e deixar que as pessoas falassem por elas mesmas sempre que possível - produzir um texto com informações, fundamentalmente. Algumas pequenas informações que ajudam a mostrar um mínimo do que é uma universidade pública brasileira. Algo será feito a partir desse texto? Dificilmente. Mas as informações estão aí. A minha parte foi feita - e continuará sendo feita, na medida do possível.
Afinal, é preciso que haja uma contracultura universitária nesse país.
Marcadores: Adriana Facina, apologia ao crime, Gas-pra, Mardonio Barros, universidade pública