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terça-feira, junho 27, 2006

CONTRA O BRASIL?
Patriotismo. A palavra está na moda mais uma vez, como ocorre sempre em eventos esportivos; e isso não está ocorrendo apenas no Brasil, cuja identidade nacional passa inequivocamente pelo futebol ora celebrado nessa Copa – discute-se na Alemanha, com repercussões na mídia brasileira, o suposto ressurgir de um patriotismo alemão motivado pelo futebol, pelo campeonato possível, por uma seleção nacional que entrou no torneio algo desacreditada e que cresce, à sua maneira, a cada partida. Não vou entrar aqui nas discussões conceituais infindáveis que pretendem separar nacionalismo de patriotismo; isso é interessante para uma história das idéias que acompanhasse o desenvolver dos dois conceitos, com suas continuidades e rupturas, diferenças no tempo, no espaço, nos grupos sociais. Aqui as coisas são tratadas da mesma forma, e é com base nessa semelhança que pergunto: o brasileiro é patriota, é nacionalista? As respostas a essa pergunta são, como não poderiam deixar de ser, pautadas pelas ideologias daqueles que respondem. Aqui me interessa especialmente um tipo de resposta, que vai nos levar a uma reflexão sobre o fenômeno que realmente quero discutir nesse texto: o antibrasileirismo de certos brasileiros.
A resposta, bastante condizente e lembrada no momento, é essa: o brasileiro é patriota quando há Copa do Mundo, e em menor escala quando a seleção de futebol nacional participa de outros torneios e jogos. Resposta simpática, tem uma série de qualidades. É resposta que aparenta reflexão; indica que a pessoa fugiu das fáceis – e por vezes únicas possíveis e desejáveis, inimigas que são da verborragia - soluções que o “sim” e o “não” estão sempre dispostos a representar. Guarda ainda o notório vício intelectual de falar “do outro”, como se dele não fizéssemos parte – não por acaso eu usei “o brasileiro” acima; quem emite essa opinião costuma se colocar em outra posição, distante do brasileiro, como se ele fosse de outra cepa. Tomando o patriotismo como positivo, imaginando que o interrogador partilha dessa opinião, ele não pode se incluir entre os brasileiros que só demonstram o louvável sentimento nessa tão comezinha e menor situação que é a do evento esportivo – muito embora ele mesmo esteja longe de considerar o futebol como preocupação menor na sua vida. Eis aqui o que nos interessa: essa resposta evidencia o real propósito do meu artigo, que minha inabilidade quase falseou no parágrafo anterior. “O brasileiro” que só coloca a bandeira na janela quando da Copa é o brasileiro médio, o padrão, alguém que não nutre o sentimento como devido; isso evidenciaria alguma fragilidade do nosso país – é comum que a isso se contraponha o exemplo norte-americano, vulgarizado em filmes, da bandeira hasteada diariamente no quintal de casas suburbanas. Esse brasileiro não sou eu; eu me destacaria por um patriotismo freqüente, costumeiro, que eu obviamente não vou conseguir localizar em lugar nenhum – e espero que o entrevistador não tenha tempo suficiente para me perguntar sobre. O resultado disso é óbvio: a população que ocupa o território brasileiro é dividida em dois grupos: o meu – o dos reais patriotas, no qual eu posso simpaticamente incluir alguns amigos ou familiares, ou mesmo algum vulto histórico – e o outro, formado evidentemente pelo grosso da população...que população? Aqui a crítica vai além: uma população inculta, ignorante, sensual, fadada ao fracasso e o terceiro-mundismo eterno. Está formada a coisa, o antibrasileirismo dos brasileiros se evidencia.
Não que isso seja característica tipicamente nossa, pelo contrário; é comum que determinados grupos – notadamente aqueles que se consideram como pertencentes a alguma elite – procurem se diferenciar do grosso da coletividade; a nação, coletividade moderna por excelência – e coletividade compulsória e imaginada, lembremos – só poderia nos mostrar esse fato com ainda maior clareza. Hannah Arendt traz alguma erudição a esse texto, ajudando-me a ilustrar a coisa com um dentre muitos exemplos históricos; a autora discute em As Origens do Totalitarismo o fenômeno do nacionalismo, focada nas semelhanças e diferenças entre os três nacionalismos dos povos que conduziram a Europa no pós-revolução industrial: o “liberal” caso inglês, o complicado caso austríaco (vital para se compreender as raízes do totalitarismo) e o que nos interessa aqui, o caso francês. Nesse a autora analisa o pensamento do Conde de Gobineau, conhecido nosso pela importância que sua estada no Brasil Império teve na formulação da teoria racialista que o consagraria na história da infâmia humana. O Conde, diz Hannah, acreditava que era outra coisa que não um francês; ou melhor, considerava ser a parte sadia do povo ocupante do território da França. Seria o contestável nobre – pesam dúvidas quanto à real nobreza do Conde – um descendente dos germânicos, e mais, do próprio Odin; descenderia então da raça forte, dos conquistadores, daqueles que subjugaram o grosso do povo “francês” – que seriam antes os decadentes romanos mediterrânicos e agora comporiam o famélico e inculto campesinato. Essa teoria não era nova e já circulava na nobreza francesa há tempos, para horror dos “liberais” de hoje que parecem adorar um Antigo Regime, reis e toda a pompa ridícula que os acompanha; Gobineau atualizaria a coisa – procurando realmente racializar, através de uma certa Ciência, o que era então mera literatice – e criaria o delírio próprio da descendência de Odin. Há outro exemplo que merece ser citado, pois, embora igualmente motivado por um racismo científico – e igualmente permeado por uma crítica cultural – é diferente por estar mais próximo de nós e não identificar sequer algum estrato do povo como representante digno da nacionalidade, ao menos não explicitamente; essa deveria ser buscada no estrangeiro. É o que nos informa, dentre outros tantos autores, o senhor David Gueiros Vieira, professor da UNB, no livro O Protestantismo, A Maçonaria e A Questão Religiosa no Brasil. Ali David relembra fenômeno ocorrido no Brasil pós-abolição: tendo sido o grosso da população negra abandonada à própria sorte, colocam-se inúmeros ideólogos e pensadores da República a buscar soluções para o país; a solução pode ser lida tanto a partir de certo marxismo esquemático – buscamos imigrantes pois negros abandonaram as fazendas e a crescente lavoura do café os demandava – como a partir de uma leitura dos discursos produzidos há épocas pelos doutos da República que nasce, e que são repletos de teorias racialistas e culturalistas que denigrem e esculhambam o povo brasileiro, do qual, mais uma vez e obviamente, eles se distanciam. Para a maioria das leituras o prisma racial se sobrepõe ao cultural: o povo brasileiro seria mestiço e daí decorreriam suas crônicas e insolúveis deficiências de caráter: seria fraco, submisso, sensual em demasia, preguiçoso, desonesto e chegado a uma bebidinha. Para outras é o prisma cultural que se sobrepõe, e essa é a grande novidade do pensamento do autor, ainda praticamente desconhecida na Academia: o povo brasileiro seria tudo isso e muito mais não por ser mestiço – ou não só por isso -, mas por ser católico. A solução para os dois discursos, que se interpenetram, é uma: precisamos trazer imigrantes da Europa, e, se tivermos sorte e for possível, da Europa da ética protestante e anglo-saxã; se não der que venha pelo menos um portuga católico. Que fazer com o resto do povo? Havia quem acreditasse que essa população mestiça se degeneraria e desapareceria, como o próprio Gobineau; também havia quem acreditasse, como ainda parecem acreditar alguns dos nossos liberais-fascistas, que bastaria ignorá-los e sentar o porrete quando necessário.
Que procurei demonstrar até aqui? Que o discurso oriundo de determinado segmento de uma população – que se crê racial e/ou culturalmente diferente da restante – que denigre e mesmo nega a comunidade com outro, acreditando-se portadora de valores diversos dos desse, é antigo e já teve uma expressão profundamente radical, essa de negação mesmo, a circular em nosso país. Mas o leitor pode estar se perguntando se eu quero apenas dar uma aulinha de História, se não direi nada que trate do aqui e agora. Antes de tudo sugiro a esse leitor que pare de ler por aqui e não volte para o blog antes de repensar a vida – eu abomino tanto quem vê o passado com olhos idealizados e nostálgicos quanto quem é incapaz de entender as lições que dele podemos extrair; se esse leitor está fazendo agora um mea culpa e deseja continuar, eu revelo: o passado explica pouco o presente e menos ainda o futuro, mas nos ajuda a perceber, dentre outras coisas, as continuidades discursivas de algumas idéias que parecem se acreditar profundamente novas. Sim, leitor, o antibrasileirismo está aqui e agora.
“Em que lugar do mundo se encontra lixo no chão ao lado de uma lixeira? Em que lugar do mundo as pessoas falam tão alto? Em que lugar do mundo se despreza tanto a cultura? Em que lugar do mundo se condena o sucesso? Em que lugar do mundo não há espaço para debate? E quais desses países que os srs. pensaram como resposta é um país desenvolvido”. Sim, assim mesmo, sem a interrogação no final – como se a simples falha de digitação fosse um recurso estilístico ou a necessidade de evidenciar o caráter retórico da pergunta tenha sido grande demais. A citação é do Púlpito Conservador, um de meus colegas no Blogs Coligados, e faz parte de resposta ao Marco Aurélio. Resposta que não houve, já que marco cobrou exatamente o que falta a essa afirmação, o que falta a esse e todo discurso similar: a concretude. Em que lugar do mundo se encontra lixo no chão ao lado de uma lixeira? Eu, o ignorante, não sei; infelizmente só estive em um outro país que não o Brasil, a Itália dos Svalutos mil, e lá vi uma Roma bem distante da limpeza encontrada, por exemplo, na diminuta Scafa. Eu poderia dizer aqui que a sujeira é inerente a uma metrópole, e que canídeos dados a virar lixeiras também; mas não vou incorrer no erro que aponto...Prefiro dizer que simplesmente não tenho um dado sequer que me permita concluir que os brasileiros atiram mais o lixo no chão do que estrangeiros, e que isso é evidente mesmo ali, na boca da lixeira. Também não tenho dado que me permita mensurar a “condenação do sucesso” que seria específica das plagas brasílicas e sua suposta ausência ou fraqueza em outros povos; elemento diretamente associado a ela, a inveja, é pecado capital para religião surgida muito antes do Brasil. “Em que lugar do mundo as pessoas falam tão alto?” é outra coisa que não sei; Jô Soares, o comediante odiado por direita e esquerda – vejam o orkut e comprovem – começa vez ou outra seu programa comentando pesquisas exóticas, não sei se sempre verídicas, que cientistas teriam feito ao longo do mundo – e eu realmente não me lembro de alguma delas ter pesquisado o nível de decibéis que conversas de diferentes povos costumam produzir, na média...Talvez o Conservador Pulp possa financiar uma delas no futuro, não esquecendo porém de mobilizar um ou dois sociólogos que façam depois a correlação entre os decibéis e civilização. Também não haveria espaço para debate no Brasil, diz ele – e esse é outro dos pontos-chave do Olavismo, alguns passos apenas atrás dos 40 milhões de militantes comunistas. Ora, o que está havendo aqui não é debate? Não podemos nós dois escrever o que bem entendemos, não ficarão esses textos disponibilizados talvez para todo o sempre na internet? Alguma censura a isso existe? Olavo já não passou por alguns dos maiores órgãos de imprensa do país, de uma forma ou de outra? Não temos hoje n`O GLOBO o liberal-democrata Paulo Guedes, o Denis Lerrer, o Reinaldo Azevedo – além de artigos freqüentes do Kamel contra as cotas, a favor da luta contra o Terror, contra filme de Michael Moore? Não há um João Mellão no Estadão, um Nelson Acher na Folha, um João Pereira Coutinho na Folha Online, um Mainardi em uma VEJA que bate e bate violentamente em Lula há anos? Um dos inegáveis méritos do Olavo não teria sido exatamente o resgate desse espaço? Claro, sempre se poderá dizer coisas mil – que esse espaço não é nada se comparado com “lixos e lixos de esquerdismo simplório” nesses mesmos veículos etc. Essa discussão é outra, e não vou iniciá-la aqui; o que peço é que o leitor vá a um grande jornalão ou órgão de imprensa internacional – que não esteja explicitamente vinculado com uma agenda política, note bem – e veja se a proporção existente entre articulistas “de direita” e “de esquerda” não se assemelha – ou mesmo é inferior – àquela encontrada, por exemplo, em O GLOBO. O que nós não temos aqui, isso sim, são publicações explicitamente voltadas a uma direita – e a triste falência da Primeira Leitura elimina talvez o único caso que poderia ser enquadrado aí. Isso é uma coisa, e como disse, merece post à parte e anos de reflexão; mas a ausência de espaço pressupõe, ou deixa no ar, uma outra coisa – uma intenção deliberada de impedir o debate, normalmente através de meios escusos, não sendo por acaso que sempre se fez presente acompanhada da idéia de revolução gramsciana nas reflexões do Olavo.
O Púlpito Conservador continua, em sua resposta ao Marco Aurélio: “Qual o percentual de brasileiros considero ‘corruptos, subdesenvolvidos, iletrados, ignorantes, mal-educados, pobres, frouxos e preguiçosos’? A grande maioria, que vota no Sr. Luís Inácio, porque se identifica com ele.” Aqui entra uma faceta interessante de certos discursos: o descolamento da realidade. O sujeito acaba por se prender de tal forma à lógica inerente de seu discurso, a uma busca por conseguir enquadrar cada pensamento dentro de uma certa posição ideológica estabelecida, de um preconceito, que o pensamento deixa de se submeter à realidade e passa a moldá-la de acordo com ele. Uma análise rápida da última frase da citação: “A grande maioria, que vota no Sr.Luís Inácio, porque se identifica com ele”.Vejam onde estão as vírgulas; estando onde estão, a única leitura possível da frase é que o autor considera a maioria dos brasileiros como dotados das qualidades enumeradas, e isso se evidencia pelo voto dessa “grande maioria” no “Sr.Luís Inácio”, o nosso popular Molusco – houvesse apenas a vírgula depois do nome do nosso presidente e a leitura seria de que a maioria dos eleitores do Molusco teriam as tais características pouco elogiosas. Seria menos delirante...mas não é o caso. O autor realmente parece acreditar que o fato de se votar em Luís Inácio, per si, evidencia as tais características no eleitor. É inegável que, em uma democracia, o povão não tem menos culpa que a Dona Zelite – e isso Reinaldo Azevedo sempre lembra bem; o povo merece Lula, e merecerá tê-lo de novo votando da forma nefanda como votará. Outra coisa inteiramente diferente é considerar que o voto em Lula define em si as tais características no votante; qualquer pessoa que tenha tido contato com eleitores de Lula, como eu ainda esporadicamente tenho, sabe que esse voto se orienta por coisas bem diversas do que uma imoralidade característica. Isso é óbvio para qualquer um que tenha os pés na Terra, e o leitor poderá dizer: mas o Conservador Pulp não sabe disso, Felipe? Eu direi que até deve saber, é realmente possível que saiba – o que até diminui o perigo da afirmação, mas não o elimina; não tenha o leitor a menor dúvida – e que busque exemplos históricos, literários e cinematográficos quem as tiver – que o portador de um discurso pode muito bem conviver com as contradições que a realidade evidencia. Um nazista pode perfeitamente saber que a menininha judia do colégio dele, ou da faculdade, não está imersa em nenhum plano de conquista global, não é racialmente inferior e que está tão integrada à cultura germânica – ou qualquer outra, no caso desses neonazismos mil, brasileiro inclusive – que a dele, e ainda assim isso não o impedirá de ser nazista. A mágica tem seu segredo exatamente no processo de afastamento da realidade, e quem quiser saber mais deve ler a judia Hannah já citada.
“Achava que não pegava bem falar para os brasileiros o tanto que somos mesquinhos, egoístas e pequenos e o tanto que os americanos são o contrário. Dane-se! Antes uma verdade dolorida do que um silêncio de pena e desprezo, que é quase o que estou sentindo pelo nosso país”. Esse é outro colega do Blogs Coligados, o José Gedankien. Aqui o antibrasileirismo encontra o seu correlato preferido na direita brasileira hoje – a americanofilia. Seguindo os passos do cada vez mais equivocado Mestre, essa direita parece realmente acreditar que a sociedade americana é “a única decente” no mundo de hoje; nem os sempre tão solícitos ingleses escaparam à crítica ferina do cada dia mais ridículo Olavo. Não serei ocioso, senhores; o texto já vai enorme como de praxe e vou poupá-los de repetir os argumentos. Gedankien não tem dados, não tem nada para além do legítimo preconceito, entendido como conceito a priori, anterior a qualquer empiria. Tem sim um caso – um caso, caso pessoal, que é cientificamente tão válido quanto qualquer caso pessoal pode ser nessa análise; e é por não considerar esses casos que falei aqui só brevemente da minha experiência na Itália, limitada no tempo e no espaço, discutida em outro artigo (“DA ITÁLIA”) no qual começo exatamente explicitando o caráter meramente impressionista que o texto teria. José parece morar nos Estados Unidos, ou ter morado; e isso realmente significa mais do que o meu único mês passado na Itália, e ele realmente pode tecer mais comentários do que eu – mas o caráter peremptório e genérico com que o faz definitivamente não foi habilitado por essa vivência. Dou apenas dois exemplos rápidos da minha vivência, obviamente dentro desse caráter impressionista e passível de ser criticado por qualquer um: uma das coisas que me marcou na Itália foi o transporte coletivo, por diversos motivos, sendo sem dúvida o maior deles a ausência de cobrador nos ônibus; sim, leitores, não há trocador nos ônibus italianos – há uma máquina, certamente abominada pelo nosso deplorável Aldo Rebelo, que torna todos eles desnecessários. Que faz essa maravilhosa máquina? Consiste em uma roleta automática, que espirra gás de pimenta em quem tenta passar por ela sem pagar? Soa um alarme ensurdecedor quando o italiano tente empurrar seu bambini por baixo dela? Não, nada disso: a máquina simplesmente autentica o ticket que serve como passagem de ônibus, ticket que você compra em outros lugares. Sim, é isso, leitor estupefato: ela autentica um ticket que você mesmo passa nela; se você quiser pode fazer a viagem inteiramente de graça, sentado confortavelmente como os outros passageiros. Existem sim cobradores, mas eles ficam em pontos de ônibus e podem ou não entrar no ônibus em que você está; o fraudador precisa contar com a sorte, pois sendo pego ele paga multa bem superior ao bilhete. O sistema é antigo e não vi nenhuma reclamação de italiano quanto a ele ou quanto a passageiros que burlam constantemente a lei; pelo contrário, não vi uma só pessoa não validar o seu ticket ao entrar no ônibus. Alguém diria: oh, que honrados e honestos italianos, isso nunca daria certo por aqui! Não daria? Não sei. Honrados e honestos? Meus antepassados, pessoas de país cuja cidadania orgulhosamente reivindicarei em breve, são conhecidos por boa parte dos norte-americanos não apenas pela macarronada – mas também e principalmente pela Máfia, que tanto sucesso fez e ainda faz no cinema hollywoodiano e que só teve sua influência realmente minorada na Itália quando da gigantesca Operação Mãos Limpas; a Copa mesmo nos apresenta uma seleção italiana que chegou terrivelmente tumultuada por um – mais um – escândalo de venda de resultados em seu futebol. Isso quer dizer o que, que são corruptos? Também não sei. Como não considero os brasileiros mais gentis do que os italianos pelo fato de que um de meus primos e sua namorada ficaram profundamente espantados quando eu perguntei, em um ônibus cheio e repleto de pessoas com pacotes mil nas mãos, se os italianos não seguravam os pacotes e bolsas de quem estava em pé nos coletivos – o espanto deles só foi maior quando eu disse que raríssimas vezes viajei em pé em um ônibus no Rio sem que alguém segurasse a minha mochila ou pasta, sem jamais o passageiro ter se revelado um nefando ladrão que tenha me roubado algo. Quem viu o Manhattan de domingo – e imagino que muitos dos leitores tenham visto – pôde perceber o descrédito da mesa em Nova Iorque e o mutismo do antibrasileiro-mor Mainardi diante de uma pesquisa que apontava, salvo engano, a própria cidade como a mais gentil do mundo. Caio Blinder chegou a citar antológico exemplo de um amigo que teria cedido o lugar em táxi – um dos concorridíssimos táxis da cidade, a se acreditar nos filmes – para uma senhorinha muito idosa que vinha lentamente se deslocando com andador...deixando o motorista absolutamente estupefato. E aí, o exemplo do Caio contesta a pesquisa? Claro que não, como um exemplo pessoal nunca contestará. Mas se por um lado a pesquisa pelo menos é uma pesquisa – logo pressupõe uma metodologia de alguma forma científica, por mais difícil que me seja imaginar uma pertinente ao estudo -, logo merecendo maior consideração que os comentários do Conservador Pulp, do Zé e também os meus, não há como negar que a desconfiança da mesa em relação a ela condiz com a minha própria desconfiança, nutrida por preconceitos em relação aos EUA e minha própria vivência de 20 anos como carioca persistente – que realmente torna difícil crer na existência de uma metrópole mais gentil que essa, mais ainda diante dos problemas que essa gentileza enfrenta para sobreviver.
Enfim, a que conclusão chegamos sobre o brasileiro, Svaluto? Se você está me perguntando isso é porque não entendeu nada; não pretendo chegar a uma conclusão sobre o brasileiro – pelo menos não assim, e certamente não aqui, em um artigo para blog. Não estou exatamente de acordo com o Marco quando ele fala da impossibilidade de se evidenciar um caráter tipicamente nacional, ou mesmo coletivo – para mim essa crença jogaria fora alguns estudos saborosos, embora muitas vezes equivocados, que tratam de mentalidades coletivas, de Weber até, para quem gosta – e não sou um deles, pelo menos até o momento – DaMatta, passando pelo Gilberto Freyre e Tocqueville. Mas não tenho dúvidas da dificuldade desses estudos e dos erros nos quais o próprio Weber incorreu, exatamente pela dificuldade de se mensurar empiricamente a tal ética protestante e sua real importância. Foi complicado para Weber, mais complicado ainda será para nós, até o momento meros blogueiros com alguma cultura; e eu prefiro me eximir da conclusão do que idealizar um povo por conveniência ideológica e depreciar o meu por conveniência estilística. Fazendo isso eu só daria razão ao dito antibrasileiro e estúpido do falido Mestre Olavo, que disse que ficar no Brasil 15 segundos (ou minutos?) o emburrece - aliás, isso dá até uma piada da qual não posso me furtar: e ficar 15 meses na Virgínia empobrece, my friend.
Dizer não ao antibrasileirismo não é dizer sim às nossas incontáveis mazelas ou aderir a qualquer brasileirismo igualmente nefando: é rejeitar as facilidades do pensamento e, ainda mais importante, rejeitar o preconceito.
Felipe Svaluto Paúl (Brasileiro orgulhoso de Gilberto Freire e revoltado com Gilberto Gil; admirador dos EUA de Thomas Jefferson e crítico dos EUA de Bush; futuro italiano avesso a óperas e profundo simpatizante de macarronadas).

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