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terça-feira, fevereiro 21, 2006

AMEAÇA JUDAICA À LIBERDADE DE EXPRESSÃO
A liberdade de expressão está ameaçada no Brasil e no mundo, e não é de hoje. O leitor médio talvez esteja acostumado com notícias sobre as restrições à circulação de informação em terras despóticas, algo fantasiosas e lendárias, não raro culturas e povos perdidos em um anacronismo profundo. Fala-se nas excentricidades genocidas da Coréia do Norte, país que o leitor médio nem deve conseguir localizar de primeira no mapa-múndi; fala-se eventualmente na ilha-cárcere do mais longevo ditador em atividade, uma Cuba que o turista não enxerga mais do que os nossos jornais pouco interessados; fala-se vez ou outra na China, o país para o qual não apenas o Google esquece momentaneamente seus arroubos de libertarianismo fingidos no Ocidente. O mais que se ouve sobre essas restrições vem do mundo árabe, que talvez supere a todos os exemplos anteriores em exotismo; quando muito, e aqui já avançamos além dos interesses e meios de informação desse leitor médio, fala-se no quanto o islamismo tem contribuído para, digamos, relativizar a liberdade de expressão na Europa. É esse poder do mundo islâmico - decorrente de um composto em que se somam relativismo cultural, oportunismo político e perigosa leniência - que hoje está em pauta por todo o mundo, inclusive na nossa imprensa. Evidenciar os perigos mais urgentes é o que deve fazer o cidadão moderno, sempre bombardeado por informações mil que precisam cada vez mais de um filtro adequado; mas ignorar os perigos hoje menores é permitir a eles o crescimento que faz de movimento de cervejaria um genocídio em um par de décadas.
É por isso que, já suficientemente abastecidos com as necessárias críticas aos que matam em nome de Maomé, é preciso atentarmos para os que proíbem em nome de Moisés. As semelhanças entre os dois grupos, certamente repugnadas pelos seus principais integrantes e inúmeros companheiros de viagem, são diversas e ficarão mais do que claras aqui. A semelhança entre as duas questões também: são duas questões que envolvem um dos princípios básicos e fundamentais da modernidade – a liberdade de expressão. Não é por acaso, portanto, que Osias Wurman se solidarize com os protestos muçulmanos no artigo que vou analisar aqui; faz apenas a ressalva de que eles não devem ser violentos ou recair no anticristianismo ou anti-semitismo – como se o recurso à lei feito por ele através da FIERJ fosse mais legítimo que o ataque às embaixadas; como se os meios tornassem o fim mais ou menos justo; como se a lei, e não a moralidade, fosse a medida máxima das coisas; como se o próprio povo que ele alega defender já não tivesse experimentado tantas vezes ao longo da história o quanto as duas coisas podem ser antagônicas.
Mas de que falo, afinal? Falo do fato de que o senhor Osias Wurman, presidente da Federação Israelita do Estado do Rio de Janeiro (FIERJ), decidiu pedir à justiça do estado a apreensão dos livros “Protocolos dos Sábios de Sião” e “Mein Kampf”, editados pela Editora Centauro; e obteve sucesso, pelo menos passageiro. Não é a primeira vez que isso ocorre; já comentei em meu blog anterior o caso do editor gaúcho S. Castan, condenado em última instância pelo STF, depois de anos de batalha judicial contra grupos judaicos, que pediram a condenação do editor por publicar esses e tantos outros livros de temática nazista, anti-semita e revisionista. Defendi o editor e me vi acompanhado pela Primeira Leitura nessa luta; usaram eles os mesmos termos que eu usei, sem medir palavras: estávamos diante de um atentado à liberdade de expressão sustentado pela instância máxima do nosso judiciário. Houve quem me criticasse; o mais notório desses críticos foi o senhor Victor Grinbaum, que hoje colabora com site tão ridículo quanto ele mesmo, site que vê em coluna do fictício Agamenon uma perigosíssima peça de anti-semitismo. Essas são as críticas que engrandecem; não por serem construtivas, mas por demonstrarem que se vai no caminho certo – não sei o que faria se um dia acordasse e lesse, na minha caixa de e-mails, uma mensagem elogiosa de alguém que considera Agamenon perigoso. Seriam as horas negras, que me perdoem outros politicamente estúpidos.
Apresentado o fato, passemos à defesa que dele faz o senhor Wurman, também já notório por ridicularias – remeto a outro texto meu, no qual o mesmo interpelava Hildegard Angel, a inócua colunista, por ter ela ousado supor que pixações anti-semitas surgidas na PUC poderiam ser obras de judeus mesmo. A suposição – que eu mesmo, na ocasião, considerei estúpida – bastou para a exigência de reparação por parte do JB, ameaça não muito velada de boicote ao jornal e acusações de anti-semitismo. Wurman tem currículo, como Grinbaum, e decidiu enriquecê-lo nessa sexta-feira dia 17. Vejamos o que diz.
A obra Protocolos dos Sábios de Sião é “uma montagem falsificada e mentirosa, encomendada pela polícia secreta do czar Nicolau da Rússia”; “obras que historiam as épocas mais nebulosas da História, mesmo que os personagens principais não mereçam ser lembrados, devem ser produzidas livremente. Mas este não é, certamente, o caso do livro ‘Minha Luta’, de Adolf Hitler, por ser panfletário, racista e indesejável”; “No caso das caricaturas publicadas do profeta Maomé, estamos lamentando a guerra entre os que defendem a liberdade de imprensa e os que desejam a preservação da inviolabilidade dos valores religiosos a toda força (grifo meu). É urgente achar um lugar-comum para ambos os pleitos, que convergem na essência: liberdade e religião.” O título do artigo também é significativo: “A difamação travestida de informação”.
A argumentação de Wurman é bem simples e pode ser explicada em poucas linhas: há informações que merecem circular e há informações que não merecem. Ponto. Tudo o mais ali é acessório – inclusive as justificativas de porque tal informação merece circular e porque outra informação não merece. Por que é acessório, Felipe? Por que, caríssimos, todas as plagas que listei no começo desse artigo, todos os ditadores maiores e menores que as coordenam, e todos os seus similares na história conhecida sempre tiveram na ponta da língua o mesmo que Wurman tem: uma justificativa belíssima para a proibição da circulação de tal ou qual informação. Tal informação, companheiros, é produto dos elementos contra-revolucionários desejosos de destruir nossa potência socialista com o apoio do estrangeiro; só fará destruir as mentes dos nossos povos em nome do vil capitalismo, e deve ser proibida. Tal informação, nobre príncipe, atenta contra a fé que seguimos em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, e só fará espalhar as heresias que acabarão por comprometer a obra de Deus na Terra; proíba-a e estará mais perto do Altíssimo. Tal informação, arianos, é nada mais que vil propaganda judaica, e visa corromper corações e mentes da raça superior; proibi-la é vital para a sobrevivência de uma Alemanha sadia. Wurman está muito mais perto de seus inimigos e do horror do que certamente pensa; Wurman diz: tal informação, brasileiros, só fará aumentar o anti-semitismo em nossas plagas; proibi-la é contribuir para a segurança do povo judeu e da harmonia em nosso país. No que difere das argumentações anteriores? Em nada; como há quem concorde com ela, há quem discorde – exatamente como nos casos acima descritos.
O que acontece é que o nazismo ganhou uma aura de malignidade que talvez não encontre paralelo na História humana; nenhuma das falsificações e conspirações anti-semitas foi capaz de engendrar um ódio tão articulado, intenso e globalizado como o ódio ao nazismo que hoje existe. Isso se deve, sem sombra de dúvida, ao incessante trabalho judeu de sempre lembrar os crimes nazistas – trabalho que deve sempre ser louvado e seguido por indivíduos não-judeus. Mas essa merecida atribuição de malignidade nos fez perder de vista algumas coisas – e aqui também a culpa, nesse caso negativa, cabe essencialmente aos judeus. A mesma Indústria que movimenta as corretas lembranças do horror é a que movimenta o Agamenon anti-semita, a Angel anti-semita e a proibição de livros. É a mesma indústria que atribui uma malignidade quase sobrenatural a Hitler, indo de encontro não apenas a uma das grandes intérpretes do fenômeno nazista – a judia Hannah Arendt, que fez questão de evidenciar a humanidade e mesmo os aspectos malignamente banais do nazismo – como também ao próprio bom-senso – como quando a Indústria é movida contra filme que apresenta um Hitler humano e crível ao invés da satanização artificial de praxe. É a mesma Indústria que eleva ao status de Mal absoluto um mal que, graças às democracias, durou e matou menos que o mal comunista – esse ainda hoje bem visto e cantado em verso e porca prosa por cidadãos de todo o mundo. E esse Mal absoluto nos faz esquecer uma coisa: o nazismo é, antes de qualquer coisa, uma idéia. E idéias existem para serem destruídas no campo das idéias, por mais malignas que se apresentem a um ou bilhões de seres humanos. E isso fica mais do que evidente se levarmos ao extremo a argumentação de Wurman; ninguém, no caso, nos mostra o ridículo e perigo da coisa com mais propriedade do que o próprio Grinbaum já aludido: Grinbaum, também anticomunista, viu-se certa vez na encruzilhada: ora, se o comunismo é também enorme e genocida mal, porque ele tem campo livre mundo afora e eu defendo aqui a condenação do senhor Castan? Grinbaum não pensou duas vezes e explicitou em seu finado blog, por ocasião de um particularmente estúpido texto de José Arbex Jr: esse jornalista, para Grinbaum, deveria ser preso também, assim como outros defensores do comunismo.
Entenderam? Esse é o corolário natural da idéia que Wurman defende, embora ele talvez nem tenha se dado conta disso – ou, como firme defensor de seu povo, tenha simplesmente decidido passar por cima da questão. A partir do momento em que proibirmos determinada idéia de circular por tais ou quais critérios, a partir de tal ou qual meio – um STF, um referendo, um Partido, a força das armas – estaremos abrindo caminho para que outro grupo se valha do mesmo instrumento pretendendo cercear outra idéia. Se Wurman deslegitima a força física e legitima o STF, tudo o que faz é excluir um dos meios possíveis, mas mantém a porta aberta – amanhã um grupo anticomunista poderia entrar com representação no STF para proibir o comunismo; depois de amanhã, um grupo negro para condenar à prisão um ou outro opositor do sistema de cotas; amanhã, mudando os ventos e a Indústria preponderante, um grupo poderia legitimar juridicamente a proibição do judaísmo. Ou seja: a liberdade de expressão deixou de ser absoluta e passou a estar nas mãos de juízes – no caso – ou do Partido, das massas, da aristocracia ou qualquer outra coisa. É isso que queremos? É isso que quer o liberalismo, que um grupo de técnicos – ou, nos outros casos possíveis, a voz do Partido, das ruas ou de Deus – possam dizer o que podemos ou não podemos editar e ler? Não, não é isso que eu quero, não é o que quer o liberalismo. O que queremos é que cada indivíduo seja livre para escolher o que quer ler e que idéias quer seguir – exatamente porque sabemos que aquilo que nos aparece como o maior dos males pode ser o bem absoluto para outra pessoa, e vice-versa; exatamente porque sabemos que o Estado-Pai, o Estado que sabe o que seus filhos podem ler ou não, deve estar apenas no triste passado e nos piores de nossos pesadelos. Exatamente porque sabemos que um caminho bastante freqüente para se chegar ao mal é quando acreditamos mais firmemente estarmos fazendo o bem à toda a humanidade.
Um exemplo outro, oportuno mas triste, merece ser lembrado: o historiador David Irving foi condenado hoje na Áustria por negar o Holocausto. Há aqui no Brasil livro de deputado belga que faz um revisionismo das atrocidades de Stalin – que matou muito mais do que Adolf Hitler – que conta com texto na quarta capa assinado por um dos mais queridos (não por mim) brasileiros: o ainda hoje stalinista Oscar Niemayer. Pela lógica de Grinbaum, esse livro seria também proibido e seu autor correria riscos de, pisando no Brasil, ser encarcerado; Wurman, como vimos, parece ignorar as conseqüências do que defende. O fato objetivo é esse: há um homem encarcerado por defender idéias que são consideradas perigosas por outros homens; esse homem poderia ser um comunista e essas idéias, comunistas; poderia ser um liberal e essas idéias serem liberais; poderia ser um historiador que revisasse o passado Salazarista, a Era Vargas ou a ditadura militar brasileira. Enfim, poderia ser qualquer um que não concordasse com as idéias da ocasião, as idéias dos grupos de pressão mais fortes, do ditador ou dos magistrados. Voltamos cada vez mais ao pré-liberalismo – e não são só os islâmicos que estão nos levando por esse caminho.
Felipe Svaluto Paúl( a proud friend of freedom).

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