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sexta-feira, dezembro 16, 2005

A POLÊMICA DO NATAL
Talvez parte dos poucos leitores desse blog estejam imaginando que tratarei da anual polêmica sobre o consumismo natalino, que é tão certa nos nossos dezembros quanto a queda brutal no nível da publicidade televisiva e alimentada por ideologias tão vermelhas quanto são nessa época os shoppings que repudiam. Por mais que as doenças infantis do comunismo sejam realmente tentadoras a um crítico em seus barbarismos intelectuais, decido-me por tratar de algo um pouquinho mais diverso; não menos patético do que o assunto negligenciado, não menos ridículo, não menos perigoso por aquilo que se esconde por trás das aparências civilizadas de sempre - mas certamente menos conhecido dos leitores e daqueles que não-leitores também: a polêmica norte-americana quanto às relações entre o Natal e o Estado.
Um pequeno resumo da contenda, que já deve ser algo óbvia logo que anunciada sua existência para um leitor minimamente familiarizado com o quadro político-cultural americano. De um lado, temos os conservadores, notadamente os religiosos, defendendo que o Estado norte-americano precisa manter o Natal em suas instâncias, de formas diversas - árvores em frente a edifícios públicos, em escritórios públicos, felicitações natalinas em cartões emitidos pela Casa Branca; tudo isso mantendo a simbologia cristã o mais possível. Do outro lado temos principalmente esquerdistas de toda sorte, aparentemente escorados em uma defesa do laicisimo - não compete ao Estado propagar fé qualquer, e promover os símbolos natalinos que não como símbolos de um “feriado” qualquer - a palavra defendida é essa mesma, “holiday” – é ir de encontro a essa premissa fundamental da sociedade americana e pode ofender aqueles que não partilham do cristianismo.
O ridículo da coisa se evidencia logo, é fato, pela pequenez aparente da questão; mas é preciso lembrar que boa parte dos embates ditos “culturais” nos Estados Unidos é alimentada exatamente dessa forma: toma-se algo aparentemente de importância mínima, para o qual o cidadão comum sequer chega a atentar, e grupos polarizados transformam a coisa em um cavalo de batalha, anexando a ela toda sorte de valores e traçando rapidamente linhas entre aqueles que defendem o bem e a moralidade e aqueles do campo oposto, defensores do absurdo e da corrupção da valores- esse discurso será mais ou menos matizado de acordo com a platéia para a qual se fala, obviamente sem ignorar as diferenças entre os diferentes integrantes de cada grupo.; já há inclusive um trabalho acadêmico contestando essa visão de uma América frontalmente dividida que parece alimentar tão bem esses grupos de pressão opostos. Mas o importante é compreender que, embora o cidadão comum possa não ligar para a questão se não for atentado para ela por grupos de pressão, uma crescente polarização pode sim se dar e o assunto acaba se tornando realmente relevante. Não sei o quanto essa questão em si é importante para os americanos hoje, mas me parece trazer questões suficientes para que eu fale alguma coisa sobre ela aqui.
Antes de qualquer coisa, entendamos o que está por trás dos grupos: isso é de fundamental importância e infelizmente costuma ser feito apenas em relação a um dos lados da contenda, normalmente aquele ao qual você é contrário - vejam a crítica a esse expediente usado por Reinaldo no meu artigo anterior; Reinaldo identificou bem que por trás do laicismo europeu se esconde um anticristianismo e toda sorte de relativismos morais; só esqueceu de identificar o que se esconde por trás daqueles que defendem maiores aproximações entre Estado e cristianismo - novamente sabendo que há pessoas e propostas bastante diversas em ambos os lados, mas é preciso atentar para o “lado negro” de cada um deles. Façamos o exercício para esse caso em questão, e aqui a pequenez da coisa se impõe na análise: será que a famosa ACLU (American Civil Liberties Union) realmente está nessa contenda porque se preocupa com o pobre muçulmano que não mais se reconhecerá como cidadão caso veja uma árvore de Natal com estrela de Belém em frente a prédio do Judiciário? Será que o laicismo estatal está ameaçado porque a palavra “natal”, de uso mais que consagrado, se faz presente em um cartão de natal da Casa Branca? E nem se faz, pois eles também aderiram ao patético “feriado”... o nome para isso é um só e chamá-lo por outro não fará a coisa feder menos: isso é babaquice e das maiores. Alguém se preocupou em perguntar aos americanos não-cristãos se realmente se incomodam com os horrendos símbolos cristãos presentes nas repartições públicas? Eu não me incomodaria; eu me incomodaria simplesmente em ter que ir a uma repartição pública, aqui ou nos Estados Unidos. Aqui entra a análise da contenda para os conservadores: a história do conservadorismo americano é complexa e estou longe de conhecê-la; mas já há muito tenho lido alguns artigos interessantes a respeito que, combinados com análise pessoal das notícias veiculadas ao longo dessa Era Bush, permitem-me concordar com uma leitura de Lew Rockwell: certos conservadores, aparentemente a maioria deles, parece realmente ter sido cooptada pelo Estado. Se antes, na Era Clinton, os conservadores pareciam essencialmente preocupados em tirar as garras do Estado de seus valores, materiais e espirituais, agora muitos parecem ver no Estado um ente promotor desses valores. Ou seja, a concepção deles sobre as funções do Estado mudam de acordo com aquele grupo que ocupa o Estado na ocasião: se é o grupo do laicismo esquerdista-elitista das costas americanas, que o Estado se afaste de nossas fazendas e deixe nossos filhos serem educados em casa. Se o Estado está nas mãos daqueles que nos representam, que ponha o cristianismo sob os seus ombros largos. Se não é isso, para que se preocupar com a questão, também? Ora, se não tivermos mais motivos cristãos na árvore em frente a repartição ou praça pública, a sua árvore, na sua casa, não continuará a tê-los? E é realmente o fato da palavra “natal” não estar em um cartão de “feliz feriado” enviado pela Casa Branca realmente mais preocupante que o simples fato da Casa Branca estar gastando o seu dinheiro com cartões de boas festas?
Aqui chego a minha opinião sobre a questão: o Estado simplesmente não deve promover celebrações de Natal, feriado ou outra coisa qualquer, às expensas do contribuinte. Nem árvore com motivos cristãos nem um simples pinheiro comprado em loja de departamentos salpicado de bolinhas iluminadas; o Estado tem mais e melhores coisas a fazer com seu dinheiro, inclusive e principalmente deixá-lo com você, para que você possa melhor decorar a sua casa como bem entender, ou incrementar a sua ceia natalina, ou ir comprar armamentos para se defender da Jihad Islâmica. Uma bolinha - de Natal ou de feriado - em árvore do Estado pode significar sabe-se lá quantas bolinhas desviadas em atos de corrupção. Que os esquerdistas não saibam ou não liguem para isso já é tão tradicional quanto o Natal; mas que os conservadores não saibam ou não liguem é algo estristecedor - e só reafirma a necessidade da existência de um Libertarian Party nos EUA, cujos membros simplesmente não podem ombrear com certos republicanos, por questões de moralidade mesmo. O principal problema da América e de todo o mundo, caríssimos leitores brasílico-americanos, não é como o Estado gasta o seu dinheiro: é exatamente o fato dele gastá-lo.
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Olavo de Carvalho, como todos sabem, é ser sapientíssimo. Filósofo de mão-cheia, dizem seus admiradores; parece inclusive ter significativo conhecimento sobre religiões, já que recebeu prêmio do governo (?) saudita - sim, aquele mesmo que promove o terrorismo e financia madrassas nas quais se verte o mais fino ódio às liberdades ocidentais - por trabalho acerca de Maomé, e já se sentiu em condições de meter o pitaco na complexa questão da salvação para judeus e cristãos, defendendo que as boas-novas trazidas por Jesus não impedem a salvação do judeu que permaneça fiel à sua crença - o que, a se julgar pelo orkut, não agradou nem a gregos nem a troianos. Se tem tamanho conhecimento e se certas leituras alheias nada mais são que interpretações pueris, convido-o não a disparar bobagens que nada dizem contra Cristaldo, mas sim a provar que Maimônides, quando fala de morte, na verdade defende a mais libertária e tolerante das vidas.
Felipe Svaluto Paúl (feliz Natal a todos)

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