terça-feira, setembro 06, 2005
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE: TERRA SEM LEI
E o óbvio aconteceu. Os discursos sempre foram os de praxe: por democracia, solidariedade, apoio, ajuda, construção, diálogo. Mas o escorpião não muda a sua natureza de acordo com o que diz para o sapo. Um socialista é sempre um socialista, um autoritário é sempre um autoritário. No dia 6 de setembro de 2005, uma barricada foi levantada na universidade federal fluminense, campus do Gragoatá, prédio em que estudam, principalmente, estudantes de História e Ciências Sociais. Uma barricada levantada por estudantes que não estudam contra aqueles que gostariam de estudar.
Já havia lido os relatos das invasões de sala; pintados com cores fortes, fizeram-me sentir o prazer de quem sabe que vê a realidade pelas lentes certas. Provocaram-me já certa revolta, mas ainda contida, suplantada pelo orgulho diante da resistência narrada por alguns estudantes. Mas hoje eu estava lá e vi o Terror sem intermediários. E é ainda mais feio do que nas descrições mais apavorantes.
Antes de prosseguir, faço um resumo do que antes ocorreu para os que me lêem e não têm o desprazer de tentar estudar na UFF: o Diretório Central dos Estudantes conseguiu passar em assembléia uma greve estudantil, que se solidarizaria com greve de alguns professores - em certos cursos, pouquíssimos professores. O absurdo da coisa fica patente desde então: decreta-se uma greve não de prestadores de um serviço, mas dos beneficiários do serviço prestado. Sim, tem precedente histórico - assim como a burrice e a maldade que logo se verá. O fato é que a greve estudantil foi decretada pelo DCE, o que não se fez acompanhar de suportes a greve em assembléias de instâncias menores - CAs de diversos cursos a ela se opuseram, inclusive, e inesperadamente, o CA de História. O resultado é que isso gerou uma extensa e infindável discussão acerca dessas instâncias e do direito dos alunos de História assistirem às aulas. Como fez questão de lembrar colega de curso, em réplica a comentário meu, a discussão pautava-se apenas por critérios coletivos: os direitos individuais estavam fora de pauta, o que se explica pela absoluta incapacidade da maioria dos estudantes, agentes e vítimas de uma mentalidade coletivista, de compreendê-los e respeitá-los. Exatamente por não compreender a magnitude dessa ausência, os coletivistas que à greve se antepunham não pareciam senti-la. Hoje talvez já a sintam, pelo menos aqueles que estiveram frente a frente com o Terror.
Chegava para minha aula e já ouvia ao longe Chico Buarque; Chico, o expiador dos pecados da classe média nacional, o esquerdista-caviar por excelência, dava o tom para a festividade; uma espécie de Marselhesa cabocla para os nossos revolucionários tupiniquins. Mais perto do prédio, vejo o famoso “barbudinho”( do PSTU? Do PSOL?) que acena; eu retribuo o cumprimento pouco antes de ver a barricada. Cadeiras, mesas, um golzinho de futebol: e diversos moços e moças brincando de revolução. Moços e moças, derrotados em assembléia pelos seus pares de curso; moços e moças, alguns dos quais faziam juras democráticas dias antes, em fóruns da internet; moços e moças, sorrisos fartos, falares rápidos, escondendo a covardia; moços e moças, alguns empoleirados como gárgulas em uma espécie de igreja ao avesso. Não estranharia se Niemayer assinasse a obra.
Que faziam lá, os moços e moças? Impediam a entrada de professores e estudantes que desejassem ministrar e assistir aulas. E sob que argumento o faziam? Defendiam a universidade pública, diziam; paralisavam as aulas por um dia para defender a universidade pública. Paravam a universidade pública para que a universidade pública pudesse funcionar; bradavam em nome dos alunos que não têm dinheiro para continuar na UFF enquanto impediam alunos que gastaram sabe-se lá quanto com passagem de assistir às aulas programadas; diziam que podiam fazê-lo pois o prédio obstruído não abriga apenas os estudantes de História, esquecendo-se que abriga também os estudantes de História; diziam que o movimento era não-violento, esquecendo-se que o impedimento a que nos submetiam só poderia se concretizar com o uso da força, como se deu quando professor tentou entrar no prédio. Não são apenas socialistas: são orwellianos, tristes personagens perdidos de um 1984 que felizmente não se concretizou.
Os alunos que impediram a entrada do prédio não tinham legitimidade perante os estudantes de História, aqueles que queriam assistir às aulas e que votaram em duas assembléias por isso. Os alunos que impediram a entrada no prédio ignoraram o direito do aluno, o aluno-indivíduo, esse ente perdido e desconsiderado, de assistir as aulas. Os alunos que impediram a entrada do prédio ignoraram o contribuinte, rico ou pobre, que pagou pelas aulas que diversos professores não deram. Os alunos que impediram a entrada no prédio, os moços e moças, ignoraram tudo que não a força. Seria de praxe, fosse eu esquerdista de outra facção que não a deles, bradar um “fascista”. Mas não eram fascistas, eram socialistas- e isso é tão explicativo quanto.
Qual a lógica da obstrução? O que permite, senhores, que alguém obstrua a entrada do prédio? É o número de pessoas presentes? Se é a deliberação em alguma instância, e por essa instância se entende o DCE, os senhores podem obstruir o prédio a qualquer momento do dia ou da noite- e a fala de que o fariam apenas ontem é falácia, como era a de todos aqueles que foram a fóruns da internet se manifestar contra a invasão de salas e, contentes e sorridentes, decidiram por simplesmente impedir a entrada nas salas, fazendo a priori o que criticavam a posteriori. A verdade é que não interessa a eles instância ou discussão dessas; o que interessa é a força - pois são socialistas. Eles têm a força, e mais, têm o imperativo ético, têm a moral justificadora, pois lutam pelo Bem. Exatamente como o Talibã, Bin Laden e os dele. É o terror em diferentes formas, e ai de quem ainda, ainda! Moços e moças, não veja a semelhança.
E há quem não veja. Professor Palharini, chefe do departamento, foi falar com os militantes. A polícia passou pelo campus e os militantes se revoltaram; foi o momento da covardia e do medo, estampados em todos os rostos que se mostraram tão másculos - pois as moças se ocultaram no momento, de forma bem pouco feminista- para barrar a entrada de um professor quase sexagenário momentos antes. Mas ouviram falar em polícia e esqueceram-se rapidinho da Comuna de Paris que tentavam emular; desesperados, xingavam professores, que acreditavam terem sido os responsáveis pela presença da polícia. Professores, enfim com os brios revoltados - pois antes disso apenas conversavam tranqüilamente, pensando no dinheiro que receberiam pelas aulas que não deram - xingaram também, dizendo que não haviam chamado polícia “merda nenhuma”.
Eis que é convocado Palharini, que tenta, de forma bem social-democrata, contemporizar: diz que não chamou a polícia pois o conselho havia deliberado contra qualquer ato de violência, aproveitando para repudiar o ato de violência ali em curso. Ah, Palharini! O senhor acreditou que os comunistas cumpririam com a palavra!? É impressionante como a ingenuidade ainda grassa em certos meios. Mas Palharini ouviu exatamente o que não queria, pois logo ao terminar a fala já se ouvia um militante a criticá-lo aos berros por manter cursos pagos nos fins-de-semana no prédio. Mas por que essa aversão à polícia, Palharini? Obstruir a entrada de prédio público federal que não por razões legítimas dos administradores competentes não é crime? Não eram os moços e moças, portanto, CRIMINOSOS? E criminosos merecem algo que não a polícia? Mas Palharini contemporizou, buscando sabe-se lá o que, gratidão dos militantes que o achincalham o tempo todo. Teve a escolha, Palharini, “entre a guerra e a desonra...escolheu a desonra e terá a guerra”. Confiou e contemporizou com o Mal, foi colaboracionista. Talvez esteja dormindo bem agora, o sono dos inconscientes, mas fosse o professor Daniel Aarão um pouco mais obstinado, tivesse tido o apoio de alguns alunos dele, e sabe-se lá o que poderíamos ter tido. Ele, pelo menos - e fala aqui quem o desconhece por completo, que não pelos artigos em O GLOBO com os quais nunca concordo - preferiu a guerra. E merece meu respeito por isso.
E eu voltei para casa, depois de tudo. Derrotado? Não, em absoluto - não tive como assistir a aula, é fato, e seria boa aula com bom professor. Mas vi o que resta do movimento estudantil: moços e moças, que sabem ser franca minoria no curso, usando o último recurso dos covardes para conseguir aparecer minimamente. E, por outro lado, o começo de uma resistência dos bons, favoráveis ou contrários à greve, com opiniões as mais diversas, mas com uma certeza: que o que se viu lá não foi normal, bonito ou democrático; foi o Terror em sua essência. E é preciso resistir ao Terror, em Roma ou aqui.Felipe Svaluto Paúl (do bunker)
E o óbvio aconteceu. Os discursos sempre foram os de praxe: por democracia, solidariedade, apoio, ajuda, construção, diálogo. Mas o escorpião não muda a sua natureza de acordo com o que diz para o sapo. Um socialista é sempre um socialista, um autoritário é sempre um autoritário. No dia 6 de setembro de 2005, uma barricada foi levantada na universidade federal fluminense, campus do Gragoatá, prédio em que estudam, principalmente, estudantes de História e Ciências Sociais. Uma barricada levantada por estudantes que não estudam contra aqueles que gostariam de estudar.
Já havia lido os relatos das invasões de sala; pintados com cores fortes, fizeram-me sentir o prazer de quem sabe que vê a realidade pelas lentes certas. Provocaram-me já certa revolta, mas ainda contida, suplantada pelo orgulho diante da resistência narrada por alguns estudantes. Mas hoje eu estava lá e vi o Terror sem intermediários. E é ainda mais feio do que nas descrições mais apavorantes.
Antes de prosseguir, faço um resumo do que antes ocorreu para os que me lêem e não têm o desprazer de tentar estudar na UFF: o Diretório Central dos Estudantes conseguiu passar em assembléia uma greve estudantil, que se solidarizaria com greve de alguns professores - em certos cursos, pouquíssimos professores. O absurdo da coisa fica patente desde então: decreta-se uma greve não de prestadores de um serviço, mas dos beneficiários do serviço prestado. Sim, tem precedente histórico - assim como a burrice e a maldade que logo se verá. O fato é que a greve estudantil foi decretada pelo DCE, o que não se fez acompanhar de suportes a greve em assembléias de instâncias menores - CAs de diversos cursos a ela se opuseram, inclusive, e inesperadamente, o CA de História. O resultado é que isso gerou uma extensa e infindável discussão acerca dessas instâncias e do direito dos alunos de História assistirem às aulas. Como fez questão de lembrar colega de curso, em réplica a comentário meu, a discussão pautava-se apenas por critérios coletivos: os direitos individuais estavam fora de pauta, o que se explica pela absoluta incapacidade da maioria dos estudantes, agentes e vítimas de uma mentalidade coletivista, de compreendê-los e respeitá-los. Exatamente por não compreender a magnitude dessa ausência, os coletivistas que à greve se antepunham não pareciam senti-la. Hoje talvez já a sintam, pelo menos aqueles que estiveram frente a frente com o Terror.
Chegava para minha aula e já ouvia ao longe Chico Buarque; Chico, o expiador dos pecados da classe média nacional, o esquerdista-caviar por excelência, dava o tom para a festividade; uma espécie de Marselhesa cabocla para os nossos revolucionários tupiniquins. Mais perto do prédio, vejo o famoso “barbudinho”( do PSTU? Do PSOL?) que acena; eu retribuo o cumprimento pouco antes de ver a barricada. Cadeiras, mesas, um golzinho de futebol: e diversos moços e moças brincando de revolução. Moços e moças, derrotados em assembléia pelos seus pares de curso; moços e moças, alguns dos quais faziam juras democráticas dias antes, em fóruns da internet; moços e moças, sorrisos fartos, falares rápidos, escondendo a covardia; moços e moças, alguns empoleirados como gárgulas em uma espécie de igreja ao avesso. Não estranharia se Niemayer assinasse a obra.
Que faziam lá, os moços e moças? Impediam a entrada de professores e estudantes que desejassem ministrar e assistir aulas. E sob que argumento o faziam? Defendiam a universidade pública, diziam; paralisavam as aulas por um dia para defender a universidade pública. Paravam a universidade pública para que a universidade pública pudesse funcionar; bradavam em nome dos alunos que não têm dinheiro para continuar na UFF enquanto impediam alunos que gastaram sabe-se lá quanto com passagem de assistir às aulas programadas; diziam que podiam fazê-lo pois o prédio obstruído não abriga apenas os estudantes de História, esquecendo-se que abriga também os estudantes de História; diziam que o movimento era não-violento, esquecendo-se que o impedimento a que nos submetiam só poderia se concretizar com o uso da força, como se deu quando professor tentou entrar no prédio. Não são apenas socialistas: são orwellianos, tristes personagens perdidos de um 1984 que felizmente não se concretizou.
Os alunos que impediram a entrada do prédio não tinham legitimidade perante os estudantes de História, aqueles que queriam assistir às aulas e que votaram em duas assembléias por isso. Os alunos que impediram a entrada no prédio ignoraram o direito do aluno, o aluno-indivíduo, esse ente perdido e desconsiderado, de assistir as aulas. Os alunos que impediram a entrada do prédio ignoraram o contribuinte, rico ou pobre, que pagou pelas aulas que diversos professores não deram. Os alunos que impediram a entrada no prédio, os moços e moças, ignoraram tudo que não a força. Seria de praxe, fosse eu esquerdista de outra facção que não a deles, bradar um “fascista”. Mas não eram fascistas, eram socialistas- e isso é tão explicativo quanto.
Qual a lógica da obstrução? O que permite, senhores, que alguém obstrua a entrada do prédio? É o número de pessoas presentes? Se é a deliberação em alguma instância, e por essa instância se entende o DCE, os senhores podem obstruir o prédio a qualquer momento do dia ou da noite- e a fala de que o fariam apenas ontem é falácia, como era a de todos aqueles que foram a fóruns da internet se manifestar contra a invasão de salas e, contentes e sorridentes, decidiram por simplesmente impedir a entrada nas salas, fazendo a priori o que criticavam a posteriori. A verdade é que não interessa a eles instância ou discussão dessas; o que interessa é a força - pois são socialistas. Eles têm a força, e mais, têm o imperativo ético, têm a moral justificadora, pois lutam pelo Bem. Exatamente como o Talibã, Bin Laden e os dele. É o terror em diferentes formas, e ai de quem ainda, ainda! Moços e moças, não veja a semelhança.
E há quem não veja. Professor Palharini, chefe do departamento, foi falar com os militantes. A polícia passou pelo campus e os militantes se revoltaram; foi o momento da covardia e do medo, estampados em todos os rostos que se mostraram tão másculos - pois as moças se ocultaram no momento, de forma bem pouco feminista- para barrar a entrada de um professor quase sexagenário momentos antes. Mas ouviram falar em polícia e esqueceram-se rapidinho da Comuna de Paris que tentavam emular; desesperados, xingavam professores, que acreditavam terem sido os responsáveis pela presença da polícia. Professores, enfim com os brios revoltados - pois antes disso apenas conversavam tranqüilamente, pensando no dinheiro que receberiam pelas aulas que não deram - xingaram também, dizendo que não haviam chamado polícia “merda nenhuma”.
Eis que é convocado Palharini, que tenta, de forma bem social-democrata, contemporizar: diz que não chamou a polícia pois o conselho havia deliberado contra qualquer ato de violência, aproveitando para repudiar o ato de violência ali em curso. Ah, Palharini! O senhor acreditou que os comunistas cumpririam com a palavra!? É impressionante como a ingenuidade ainda grassa em certos meios. Mas Palharini ouviu exatamente o que não queria, pois logo ao terminar a fala já se ouvia um militante a criticá-lo aos berros por manter cursos pagos nos fins-de-semana no prédio. Mas por que essa aversão à polícia, Palharini? Obstruir a entrada de prédio público federal que não por razões legítimas dos administradores competentes não é crime? Não eram os moços e moças, portanto, CRIMINOSOS? E criminosos merecem algo que não a polícia? Mas Palharini contemporizou, buscando sabe-se lá o que, gratidão dos militantes que o achincalham o tempo todo. Teve a escolha, Palharini, “entre a guerra e a desonra...escolheu a desonra e terá a guerra”. Confiou e contemporizou com o Mal, foi colaboracionista. Talvez esteja dormindo bem agora, o sono dos inconscientes, mas fosse o professor Daniel Aarão um pouco mais obstinado, tivesse tido o apoio de alguns alunos dele, e sabe-se lá o que poderíamos ter tido. Ele, pelo menos - e fala aqui quem o desconhece por completo, que não pelos artigos em O GLOBO com os quais nunca concordo - preferiu a guerra. E merece meu respeito por isso.
E eu voltei para casa, depois de tudo. Derrotado? Não, em absoluto - não tive como assistir a aula, é fato, e seria boa aula com bom professor. Mas vi o que resta do movimento estudantil: moços e moças, que sabem ser franca minoria no curso, usando o último recurso dos covardes para conseguir aparecer minimamente. E, por outro lado, o começo de uma resistência dos bons, favoráveis ou contrários à greve, com opiniões as mais diversas, mas com uma certeza: que o que se viu lá não foi normal, bonito ou democrático; foi o Terror em sua essência. E é preciso resistir ao Terror, em Roma ou aqui.Felipe Svaluto Paúl (do bunker)
segunda-feira, setembro 05, 2005
DA ITÁLIA
Pois é, senhores: o fecho do último texto não era apenas uma referência literária, um tributo à erudição e à beleza do poema. De fato fui-me embora para a Itália, ainda que com data de retorno há meses prevista e com a emoção permitida para alguém que acompanha um senhor de 74 anos. Lá fiquei por um mês, o que é quase nada, é nada mesmo - ficasse o tempo todo em Roma e já não me seria suficiente, pior ainda foi precisar percorrer cidades perdidas em algum lugar do século XIX para visitar parentes. Mas sem dúvida foi melhor do que aqui permanecer, acompanhando a confusa queda do PT, em que os ratos parecem estranhamente agrilhoados ao navio que afunda, e a heróica e ao mesmo tempo triste situação da UFF, em que um grupo de abnegados enfrenta aqueles que pretendem ter uma espécie de solidariedade seletiva enquanto norte ético. Mas isso fica para outro momento: agora o tema é Itália.
Passarei então a contar minhas aventuras e desventuras, as coisas típicas de toda viagem, esquecimentos, acidentes, alegrias e surpresas? Não: isso fica para os amigos mais próximos, em conversa descompromissada. Há quem faça blogs para mostrar-se, chorar mágoas e escrever sobre adolescimentos, muitas vezes tardios; eu faço o meu para esconder-me. O que interessa aos senhores é outra coisa, se é que interessa: as poucas observações pertinentes sobre o atual estado da sociedade italiana que eu pude fazer nesse mês em que lá estive. É claro que são parciais, é claro que meu universo de análise é bastante reduzido, e o fato de não falar italiano também em nada ajudou. Mas isso não me impede de acreditar que há alguma coisa de verdade no que direi; a quem quiser discutir, sugiro uma viagem à Itália também - vale os euros gastos, e nem são tantos assim para quem evita as compras fáceis e óbvias.
Bem, que vi na Itália? Vi televisão, muitas vezes. E a televisão é algo bastante importante para os italianos, assim como para nós; e é tão ruim quanto a nossa. Os programas lembram demais alguns nossos tão característicos, incluindo os universalmente tristes programas de calouros e pegadinhas, musicais de gosto bastante duvidoso - aliás, a música italiana contemporânea é tragédia grega, para relembrar antiga rivalidade - e videocassetadas apresentadas por uma moça curvilínea e um exótico ser que não consegui nomear. No mais, o que temos é uma mescla de comédias italianas de humor tão característico com os enlatados americanos, amados por tantos e odiados pelos piores dentre nós. A informação chega através de noticiários constantes e também muito parecidos com os nossos, sendo que há italianos que reclamam de uma parcialidade nos jornais dos canais pertencentes à Berlusconi- o que eu, em absoluto, não consegui identificar.
Aliás, Berlusconi é tema caro aos italianos. Fala-se nele com freqüência, normalmente com enorme desdém; lembrei-me de Maluf, o homem que era eleito por eleitores fantasmas, posto que nunca ninguém parecia ter votado nele tão logo os escândalos começavam a surgir. Berlusconi é o homem mais rico da Itália, tem propriedades mil pelo país, de forma que pode aproveitar todas as estações do ano nos melhores lugares - enquanto lá estive ele passava férias no sul do país. Isso, por si só, sabemos que não agrada aos esquerdistas, sempre preocupados em descobrir uma corrupção privada de algum homem de direita enquanto não enxergam a corrupção de valores e do pensamento que seus líderes praticam ser parcimônia. Mas foi interessante perceber que a discussão política italiana ainda passa por marcos, pelo menos simbólicos, do que é “esquerda”, “centro”, e, pasmem, “direita”. É uma surpresa para qualquer um acostumado com a realidade nacional em que o PFL é partido “de centro” e tem uma de suas estrelas ascendentes, o deputado Rodrigo Maia, defendendo o desarmamento em jornal de grande circulação.
Também a imigração é tema caro. E não poderia deixar de sê-lo: é visível nas ruas das grandes cidades, Milão e Roma principalmente, a massa de imigrantes, principalmente africanos e muçulmanos, que são facilmente distinguíveis dos turistas pelas áreas diferentes de circulação. E a população só os associa a valores negativos: perda de empregos para os italianos, aumento da criminalidade, baderna, depredação de prédios públicos, precariedade habitacional...e não sem razão. Enquanto lá estive, três animais, que só não foram deportados por lentidão do welfare state, estupraram uma mulher no metrô de Milão. Sim, estupraram, no metrô. Não há como não lembrar das dezenas de filmes norte-americanos, da década de 80 principalmente, mostrando a precariedade da segurança no metrô de Nova York. O terrorismo é triste e choca, é literalmente explosivo e pára uma cidade. Mas é ainda raro,e nunca conseguirá seu objetivo de destruir o Ocidente como ele é; enquanto a violência só parece crescer, na visão dos próprios italianos, e já parece alterar os hábitos das pessoas, os trajetos e os horários- algo tão tipicamente brasileiro, aliás. É preciso que as italianas gerem mais italianos o mais rápido possível.
Não há como falar da Itália sem falar do Brasil, como talvez não dê para falar da Europa hoje sem falar do Brasil. O Brasil é moda entre italianos e turistas. Ir a um ponto turístico da Itália é pedir para ver camisas do Brasil, normalmente pessimamente confeccionadas e com absurdos mil - como uma do “brazilian polo team” que um alemão envergava orgulhosamente. Qual a explicação para isso? Futebol e exotismo, eu diria. Os europeus sempre gostaram de exotismos, dos índios de Montaigne às camisas do Brasil, passando pelo multiculturalismo e relativismo. Há exotismos homicidas e outros mais pacíficos, como parece ser aquele ligado ao Brasil. De toda forma, fica o apelo: que os empresários brasileiros tentem, por favor sem o auxílio do governo, explorar mais intensamente esse filão.
Só posso terminar esse texto falando de catolicismo. Afinal, estamos no país que abriga o país do Papa. Qual a situação do catolicismo hoje na Itália? Complicada, eu diria. O esoterismo propaga-se em todas as direções: há programas mil na televisão em que cartomantes, médiuns e afins indicam os melhores números para cada telespectador que para eles liga; há cartomantes em muitas esquinas do centro de Roma, principalmente há noite; Paulo Coelho é best-seller também por lá. Por que isso? Bem, há um número crescente de ciganos (zíngaros, no italiano) a chegar ao país a partir de Iugoslávia, Romênia. Talvez seja uma explicação. Ou os italianos estejam apenas atrasados em uma onda que já varreu o Brasil anos atrás.
O texto já está grande e fico por aqui; um último e rápido comentário: estive em ruínas romanas e em igrejas dos primeiros anos do cristianismo; visitei os canais de Veneza e o Domo em Milão; vi as roupas de Garibaldi e de Cavour; tentei enxergar tudo com olhos de historiador e se possível de sociólogo, tentando aprender o máximo daquilo que se colocava a minha frente. Mas foi só num dos últimos dias da viagem que me dei conta da coisa mais bela que até então havia passado inteiramente desapercebida: turistas, milhares deles, com suas famílias, seus amigos, pessoas das mais diferentes idades, e casais, casais desafiando o Terror com beijos ao pôr-do-sol. Foram todos avisados pelo mal, como eu também fui - e ignoraram. Orgulhei-me então de ter escrito um pequeno pedaço de uma resistência que ainda deve estar longe de acabar.
A estrada, senhores, vai muito além do que se vê.
Felipe Svaluto Paúl(de volta).
Pois é, senhores: o fecho do último texto não era apenas uma referência literária, um tributo à erudição e à beleza do poema. De fato fui-me embora para a Itália, ainda que com data de retorno há meses prevista e com a emoção permitida para alguém que acompanha um senhor de 74 anos. Lá fiquei por um mês, o que é quase nada, é nada mesmo - ficasse o tempo todo em Roma e já não me seria suficiente, pior ainda foi precisar percorrer cidades perdidas em algum lugar do século XIX para visitar parentes. Mas sem dúvida foi melhor do que aqui permanecer, acompanhando a confusa queda do PT, em que os ratos parecem estranhamente agrilhoados ao navio que afunda, e a heróica e ao mesmo tempo triste situação da UFF, em que um grupo de abnegados enfrenta aqueles que pretendem ter uma espécie de solidariedade seletiva enquanto norte ético. Mas isso fica para outro momento: agora o tema é Itália.
Passarei então a contar minhas aventuras e desventuras, as coisas típicas de toda viagem, esquecimentos, acidentes, alegrias e surpresas? Não: isso fica para os amigos mais próximos, em conversa descompromissada. Há quem faça blogs para mostrar-se, chorar mágoas e escrever sobre adolescimentos, muitas vezes tardios; eu faço o meu para esconder-me. O que interessa aos senhores é outra coisa, se é que interessa: as poucas observações pertinentes sobre o atual estado da sociedade italiana que eu pude fazer nesse mês em que lá estive. É claro que são parciais, é claro que meu universo de análise é bastante reduzido, e o fato de não falar italiano também em nada ajudou. Mas isso não me impede de acreditar que há alguma coisa de verdade no que direi; a quem quiser discutir, sugiro uma viagem à Itália também - vale os euros gastos, e nem são tantos assim para quem evita as compras fáceis e óbvias.
Bem, que vi na Itália? Vi televisão, muitas vezes. E a televisão é algo bastante importante para os italianos, assim como para nós; e é tão ruim quanto a nossa. Os programas lembram demais alguns nossos tão característicos, incluindo os universalmente tristes programas de calouros e pegadinhas, musicais de gosto bastante duvidoso - aliás, a música italiana contemporânea é tragédia grega, para relembrar antiga rivalidade - e videocassetadas apresentadas por uma moça curvilínea e um exótico ser que não consegui nomear. No mais, o que temos é uma mescla de comédias italianas de humor tão característico com os enlatados americanos, amados por tantos e odiados pelos piores dentre nós. A informação chega através de noticiários constantes e também muito parecidos com os nossos, sendo que há italianos que reclamam de uma parcialidade nos jornais dos canais pertencentes à Berlusconi- o que eu, em absoluto, não consegui identificar.
Aliás, Berlusconi é tema caro aos italianos. Fala-se nele com freqüência, normalmente com enorme desdém; lembrei-me de Maluf, o homem que era eleito por eleitores fantasmas, posto que nunca ninguém parecia ter votado nele tão logo os escândalos começavam a surgir. Berlusconi é o homem mais rico da Itália, tem propriedades mil pelo país, de forma que pode aproveitar todas as estações do ano nos melhores lugares - enquanto lá estive ele passava férias no sul do país. Isso, por si só, sabemos que não agrada aos esquerdistas, sempre preocupados em descobrir uma corrupção privada de algum homem de direita enquanto não enxergam a corrupção de valores e do pensamento que seus líderes praticam ser parcimônia. Mas foi interessante perceber que a discussão política italiana ainda passa por marcos, pelo menos simbólicos, do que é “esquerda”, “centro”, e, pasmem, “direita”. É uma surpresa para qualquer um acostumado com a realidade nacional em que o PFL é partido “de centro” e tem uma de suas estrelas ascendentes, o deputado Rodrigo Maia, defendendo o desarmamento em jornal de grande circulação.
Também a imigração é tema caro. E não poderia deixar de sê-lo: é visível nas ruas das grandes cidades, Milão e Roma principalmente, a massa de imigrantes, principalmente africanos e muçulmanos, que são facilmente distinguíveis dos turistas pelas áreas diferentes de circulação. E a população só os associa a valores negativos: perda de empregos para os italianos, aumento da criminalidade, baderna, depredação de prédios públicos, precariedade habitacional...e não sem razão. Enquanto lá estive, três animais, que só não foram deportados por lentidão do welfare state, estupraram uma mulher no metrô de Milão. Sim, estupraram, no metrô. Não há como não lembrar das dezenas de filmes norte-americanos, da década de 80 principalmente, mostrando a precariedade da segurança no metrô de Nova York. O terrorismo é triste e choca, é literalmente explosivo e pára uma cidade. Mas é ainda raro,e nunca conseguirá seu objetivo de destruir o Ocidente como ele é; enquanto a violência só parece crescer, na visão dos próprios italianos, e já parece alterar os hábitos das pessoas, os trajetos e os horários- algo tão tipicamente brasileiro, aliás. É preciso que as italianas gerem mais italianos o mais rápido possível.
Não há como falar da Itália sem falar do Brasil, como talvez não dê para falar da Europa hoje sem falar do Brasil. O Brasil é moda entre italianos e turistas. Ir a um ponto turístico da Itália é pedir para ver camisas do Brasil, normalmente pessimamente confeccionadas e com absurdos mil - como uma do “brazilian polo team” que um alemão envergava orgulhosamente. Qual a explicação para isso? Futebol e exotismo, eu diria. Os europeus sempre gostaram de exotismos, dos índios de Montaigne às camisas do Brasil, passando pelo multiculturalismo e relativismo. Há exotismos homicidas e outros mais pacíficos, como parece ser aquele ligado ao Brasil. De toda forma, fica o apelo: que os empresários brasileiros tentem, por favor sem o auxílio do governo, explorar mais intensamente esse filão.
Só posso terminar esse texto falando de catolicismo. Afinal, estamos no país que abriga o país do Papa. Qual a situação do catolicismo hoje na Itália? Complicada, eu diria. O esoterismo propaga-se em todas as direções: há programas mil na televisão em que cartomantes, médiuns e afins indicam os melhores números para cada telespectador que para eles liga; há cartomantes em muitas esquinas do centro de Roma, principalmente há noite; Paulo Coelho é best-seller também por lá. Por que isso? Bem, há um número crescente de ciganos (zíngaros, no italiano) a chegar ao país a partir de Iugoslávia, Romênia. Talvez seja uma explicação. Ou os italianos estejam apenas atrasados em uma onda que já varreu o Brasil anos atrás.
O texto já está grande e fico por aqui; um último e rápido comentário: estive em ruínas romanas e em igrejas dos primeiros anos do cristianismo; visitei os canais de Veneza e o Domo em Milão; vi as roupas de Garibaldi e de Cavour; tentei enxergar tudo com olhos de historiador e se possível de sociólogo, tentando aprender o máximo daquilo que se colocava a minha frente. Mas foi só num dos últimos dias da viagem que me dei conta da coisa mais bela que até então havia passado inteiramente desapercebida: turistas, milhares deles, com suas famílias, seus amigos, pessoas das mais diferentes idades, e casais, casais desafiando o Terror com beijos ao pôr-do-sol. Foram todos avisados pelo mal, como eu também fui - e ignoraram. Orgulhei-me então de ter escrito um pequeno pedaço de uma resistência que ainda deve estar longe de acabar.
A estrada, senhores, vai muito além do que se vê.
Felipe Svaluto Paúl(de volta).